FENIX museum: Onde a Nossa História Está Sempre de partida
- Erik Sadao
- 29 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: 4 de ago.

A visita ao FENIX Museum, nas margens do Rijnhaven em Rotterdam, é como uma travessia no tempo e na história. O prédio centenário, um antigo galpão portuário que sobreviveu aos bombardeios da Segunda Guerra, guarda em suas vigas e colunas o eco das partidas, das saudades antecipadas, das promessas não ditas que cruzaram o Atlântico com milhares de imigrantes. Não por acaso, o museu foi instalado justamente no antigo terminal da Holland America Line, a companhia que mais transportou europeus para o chamado Novo Mundo. Ali, em cada centímetro daquele chão, repousa um vestígio daquilo que o poeta Rilke chamaria de “pátria na alma”.
Há algo de profundamente simbólico (típico das ações afirmativas holandesas) no fato de o projeto arquitetônico do primeiro museu dedicado às histórias da imigração no mundo ter sido entregue a um escritório chinês: o MAD Architects. A escolha é um gesto curatorial por si só, e reconhece que os deslocamentos humanos não são um episódio europeu, mas uma narrativa planetária, que conecta Rotterdam a Xangai, São Paulo, Nova York e Cape Town. A arquitetura do museu reflete isso: a antiga estrutura de concreto se curva ao novo, criando um vão amplo e luminoso, um abraço entre o passado industrial e a leveza da memória reconstruída.
Ao entrar, o visitante é envolvido por uma instalação arrebatadora: malas empilhadas, como uma escultura em suspensão, carregam centenas de etiquetas que podem ser acessadas com um audioguide. Cada tag conta uma história, com os nomes, as datas, os destinos e, principalmente, as esperanças. É impossível não se emocionar. Há algo de universal naquela massa de bagagens. São as malas de nossos avós, de nossos vizinhos, de nós mesmos. O objeto cotidiano se torna sagrado, guardião de histórias que recusam o esquecimento.
As exposições temporárias e permanentes foram pensadas com a delicadeza de quem entende que migração não é apenas deslocamento físico, mas reinvenção de identidade. Observar obras de artistas como Ai Weiwei, Willian Kentridge, Rembrandt, Steve McQueen, Shirin Neshat, Alfredo Jaar, Do Ho Su, Kara Walker, e muitos outros, dialogando com memórias migrantes é presenciar o real poder da arte: traduzir o indizível, provocar o que está adormecido, criar pontes entre tempos e lugares.
A curadoria do FENIX evita o didatismo fácil. Ao invés de explicar, nos convida a sentir. Os vídeos, fotografias, esculturas e instalações, assinados por artistas contemporâneos de todo o mundo, nos falam não apenas de fronteiras e passaportes, mas de pertencimento, perda, reconstrução. Há uma reverência ali que emociona, como se cada obra estivesse ciente de que está lidando com vidas reais, com narrativas interrompidas e reiniciadas no meio do oceano.

O acesso do térreo ao terraço panorâmico é realizado a partir de uma impressionante escada metálica que atravessa o espaço como uma espiral aberta. Diferente da célebre escadaria do Vaticano, projetada por Giuseppe Momo no começo do século 20, onde os caminhos descem sem nunca se cruzar, a estrutura do FENIX propõe o oposto: uma arquitetura de encontros. Seus espelhos não apenas refletem quem somos no instante da visita, mas multiplicam possibilidades. De qualquer ponto, vemos os outros: vindos de cima, subindo de baixo, hesitando no meio do caminho. É como se a escada desenhasse fisicamente o espírito do museu, a ideia de que, apesar das direções distintas que tomamos na vida, nossos percursos se veem, se afetam e, por vezes, se tocam.

Essa metáfora se estende pela estrutura de aço do edifício: robusta, mas transparente. Uma estrutura que protege, mas convida. Que sustenta a memória coletiva e, ao mesmo tempo, se abre para o novo. No FENIX, arquitetura e narrativa caminham juntas: é impossível percorrer seus espaços sem refletir sobre os próprios passos e, claro, os que demos e os que ainda virão.
Visitar o FENIX é um passeio cultural obrigatório para o nosso tempo, um verdadeiro ato de reconhecimento. Em tempos em que o mundo parece esquecer as lições de sua própria história, o museu surge como uma lembrança viva de que somos todos feitos de travessias.
Saí de lá com um nó na garganta e o coração aceso. Porque ali, entre malas, luz natural e arte com propósito, entendi que migrar é, sobretudo, um ato de fé no futuro.
A Sapiens Travel proporciona visitas ao Fenix Museum combinada com outros incríveis centros de arte da cidade mais moderna dos Países Baixos.