Visitar o Museu Van Gogh é quase obrigatório para quem passa por Amsterdã. Sabe aquela conversa que já virou até clichê?
-Estive na cidade X recentemente. -Ah, você visitou o museu Y?
-Não, não consegui encaixá-lo no meu roteiro.
-Ah, então você não pode dizer que esteve na cidade X.
Toda cidade tem seus pontos turísticos que parecem "obrigatórios". E, gostemos ou não, é assim que as coisas funcionam.
Mas, na minha opinião, mais interessante do que apenas seguir a lista de todos é descobrir algo novo e inesperado. Não me entenda mal, as atrações famosas são reconhecidas por um motivo: elas realmente valem a visita. Isso é especialmente verdade para o Museu Van Gogh, em Amsterdã, que abriga o maior acervo de obras do icônico artista holandês.
Porém, se você quiser algo diferente e igualmente impressionante, sugiro descobrir o Museu Kröller-Müller, localizado no De Hoge Veluwe National Park, a cerca de 1h30 de Amsterdã. Ele oferece aquela sensação de descoberta que ainda não foi completamente "dominada" pelo turismo em massa. Nele, você encontrará a segunda maior coleção de obras de Van Gogh e será surpreendido por uma história fascinante por trás da criação do museu – uma história que, confesso, eu desconhecia até fazer minha primeira visita, e que agora compartilho com vocês
A Mulher por Trás do Museu: Helene Kröller-Müller
A mulher por trás da criação deste museu é Helene Kroller-Muler, uma alemã nascida em 1986, em uma próspera família de industriais. Seu pai, Wilhem Muller, era dono da Wm. H. Muller & Co, uma companhia que fornecia matéria-prima para as industrias de mineração.
Helene Muller não teve muito contato com o mundo das artes quando pequena, mas ainda assim era uma garota muito esperta. Aos 14 anos, por exemplo, começou a questionar Deus e a crença na bíblia. Nessa mesma época descobriu as ideias do filósofo holandês Spinoza. E foi baseado no seu trabalho que ela formulou o mote da sua própria vida: Spiritus et Materia Unum—spirit and matter are one.
Em 1888, seguindo um pedido do seu pai, Helene casou-se com um Holandes, Anton Kroller, que trabalhava na Wm. H. Muller & Co. O jovem casal se estabeleceu em Rotterdam e lá tiveram quatro filhos.
O Início da paixão artística
Helene Kroller-Muller era uma das mulheres mais bem sucedidas da Holanda quando em 1905 decide acompanhar sua filha Helene Jr nas aulas de arte do professor Henk Bremmer. Professor esse que a introduziu à arte moderna.
Muito provavelmente, Helene se encantou com o universo artístico porque achou nele a espiritualidade que não conseguia absorver na religião. A primeira obra que ela comprou, sob supervisão de Bremmer, que anos mais tarde viraria o mentor da sua coleção , foi It Comes From Afar de Paul Gabriel.
A Descoberta de Van Gogh
Helene foi uma das primeiras pessoas a reconhecer a genialidade de Vincent van Gogh. Em 1908, 18 anos após o artista ter morrido na pobreza, ela comprou seus primeiros quadros dele: Edge of a Wood e Four Sunflowrs Gone to Seed. Um ano depois, adquiriu O Semeador (após Millet).
Primeira Guerra Mundial: Desejo de Ajudar e Crescimento da Coleção
A Primeira Guerra Mundial despertou em Helene um enorme desejo de ajudar. Em 1914, ela decidiu ir a Liège, onde trabalhou como enfermeira e cuidou de milhares de soldados no L’Hôpital des Anglais. Enquanto isso, a guerra trouxe lucros significativos para a Müller & Co., permitindo que Helene comprasse ainda mais obras de arte. Durante esse período, uma de suas favoritas foi O Palhaço, de Renoir.
A Semente de um Museu é Plantada
Em junho de 1910, em uma viagem a Florença, Helene visitou o Palazzo Vecchio — residência da família Medici. Os Medicis, originalmente uma família não nobre, tornaram-se patronos das artes durante o Renascimento (séculos XV e XVI), apoiando artistas como Michelangelo e Leonardo da Vinci, e desempenharam um papel importante na política florentina.
Ver o legado da família Medici fez Helene questionar qual seria sua própria contribuição para o mundo, e foi então que decidiu criar um museu. Em 1913, parte de sua coleção foi aberta ao público no Museu Kröller, em Haia.
Construindo um Legado: O Museu Kröller-Müller
Em 1921, Helene pediu ao arquiteto flamengo Henry van de Velde para projetar um museu em sua propriedade rural, que hoje faz parte do Parque Nacional De Hoge Veluwe, na Holanda. Van de Velde foi uma figura proeminente no movimento Art Nouveau e mais tarde se envolveu no desenvolvimento do funcionalismo no design. Sua abordagem visionária misturava arte e arquitetura de maneira orgânica, focando na funcionalidade e na simplicidade das formas. Sua contribuição ao projeto do Museu Kröller-Müller foi essencial para criar um espaço que não apenas abrigasse a coleção de Helene, mas também refletisse os valores estéticos do início do século XX.
As fundações foram lançadas em 1921, mas a falência da Müller & Co. e a subsequente crise financeira interromperam seus planos.
Como resultado, em 1928, Anton e Helene criaram a Fundação Kröller-Müller para proteger sua coleção e propriedades.
Um Pedido de Ajuda
Apesar de sua saúde debilitada, Helene permaneceu determinada a construir seu museu. Ela procurou o Ministro da Educação, Artes e Ciências da Holanda e implorou por uma audiência. Ela conseguiu convencê-lo a ajudá-la na construção do museu. Em 1935, os Kröller doaram toda a sua coleção ao Estado holandês, com a única condição de que o museu fosse construído nos terrenos de seu parque. Mesmo com a saúde deteriorada e idade avançada, Helene visitava o canteiro de obras diariamente para supervisionar os trabalhadores.
Sob os cuidados do governo holandês, o Museu Kröller-Müller foi inaugurado em 1938. Pouco depois, em dezembro de 1939, Helene Kröller-Müller adoeceu gravemente. Ela faleceu no dia 14 de dezembro, cercada por seus entes queridos.
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